A importância dos contratos nas relações jurídicas
STF bloqueia bens de holding sem desconsideração inversa da personalidade jurídica - consequências jurídicas da decisão
Este artigo não tem por finalidade discussões políticas, mas sim esclarecer alguns pontos jurídicos que podem repercutirem ações judiciais por todo o país.
As últimas decisões do Superior Tribunal Federal onde mandou bloquear os ativos das empresas Starlink Brazil Holding “Ltda” e Starlink Brazil Serviços de Internet LTDA podem acarretar inúmeras situações jurídicas adversas da pretendida e prejudicar os entendimentos jurisprudenciais que as cortes superiores estão tendo sobre vários temas.
Assim, nesta semana vimos uma decisão do STF para bloquear os bens das empresas Starlink Brazil Holding “Ltda” e Starlink Brazil Serviços de Internet LTDA, sob o argumento de descumprimento de decisão judicial para retirada de perfis da sua rede social.
Em sua decisão o Ministro Alexandre de Morais informou que a empresa “X” antigo Twitter estava sem representante legal no Brasil e para cumprimento de sua decisão e cumprimento das astreintes aplicadas nesta empresa resolveu por bem, bloquear os bens das empresas, informando que fazem parte de um “grupo econômico”.
"X" Brasil, Starlink Brazil Holding Ltda e Starlink Brazil Serviços de Internet constituem, em território nacional, juntamente com a SpaceX, o que em nosso ordenamento jurídico se denomina 'grupo econômico de fato', pois, embora sem um ajuste formal expresso, e mesmo sendo sociedades empresárias autônomas e distintas entre si, atuam sob a mesma coordenação e comando de Elon Musk e com objetivos absolutamente convergentes”.
(Trecho da decisão do Ministro Alexandre de Morais)
As empresas Starlink Brazil Holding Ltda e Starlink Brazil Serviços de Internet apresentaram recurso junto ao STF sob o argumento de que são empresas distintas. Este recurso foi distribuído para o ministro Cristiano Zanin, e este negou o pedido de desbloqueio.
Após este breve resumo podemos ver que há certas implicações nesta decisão judicial que podem afetar outros processos judiciais e entendimentos jurisprudenciais por todo Brasil.
Destinção entre as empresas
Em pesquisas nos sites de buscas de CNPJ’s podemos ver que as empresas e seus CNPJ`s são distintos dos seus sócios e dos CEO`s, a Starlink Brazil Holding Ltda, Starlink Brazil Serviços de Internet LTDA, X BRASIL INTERNET LTDA, Elon Musk, Linda Yaccarino.
A empresa X BRASIL INTERNET LTDA, tem como sócios, TWITTER INTERNATIONAL UNLIMITED e T.I BRAZIL HOLDING LLC, ambas empresas sediadas no exterior, já a empresa STARLINK BRAZIL SERVIÇOS DE INTERNET LTDA, tem como sócio STARLINK BRAZIL HOLDING LTDA.
O Elon Musk é acionista da X Corp. e não exerce o cargo de CEO desde 2023, quando Linda Yaccarino, assumiu como CEO. Ela é uma executiva de mídia norte-americana, era a presidente de vendas de publicidade da NBCUniversal. Em 12 de maio de 2023, Elon Musk anunciou que Yaccarino o sucederia como diretora-executiva da X Corp. Sucedeu Elon Musk como nova diretora-executiva da X Corp. em 5 de junho de 2023.
Inquérito n.º 4.874 STF.
Em 07 de abril de 2024 o então Ministro Alexandre de Morais incluiu o acionista majoritário Elon Musk nos inquéritos das milícias digitais (este nome dado pela mídia), por achar que o acionista majoritário utilizava criminosamente a rede social ao qual é acionista, sob os argumentos de que este era CEO da rede social “X”, sendo que a CEO é a Linda Yaccarino desde 2023.
Ainda determinou que a rede social “se abstenha de desobedecer qualquer ordem judicial já emanada, inclusive realizar qualquer reativação de perfil cujo bloqueio foi realizado por esta corte ou pelo Tribunal Superior Eleitoral”, sob pena de multa diária de R$ 100 mil por perfil.
Holding como proteção patrimonial
Na Lei da Liberdade Econômica promulgada em 2019, incluiu o artigo 49- A no Código Civil, reforçando a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas como uma ferramenta lícita de alocação e segregação de riscos. A possibilidade de constituição de holdings, está respaldada pela legislação.
Segundo o especialista Carlos Ziliatto uma holding, em essência, é uma empresa aberta com propósitos específicos, como: proteção patrimonial, planejamento sucessório, economia tributária e organização societária e patrimonial.
A holding de instituição não financeira, também chamada de holding patrimonial, destaca-se por sua característica peculiar. Classificada sob o CNAE 6462, engloba atividades relacionadas ao controle de capital de empresas predominantemente não financeiras.
Desta forma, vimos que o “X” e a Starlink são empresas distintas e seus sócios se caracterizam como holding, impossibilitando a confusão patrimonial com objetivos, finalidades e sócios bem caracterizados e diferenciados.
Assim, um dos primeiros problemas aqui ocasionados pela decisão dos Ministros Alexandre de Morais e Cristiano Zanim, é no sentido de que a lei criada para proteger o patrimônio dos sócios e de suas outras empresas perca sua eficácia.
Holding como domicílios internacionais
Percebemos que as holdings que são sócias das empresas “x” e Starlink aqui no Brasil tem suas sedes nos Estados Unidos da América, ou seja, para configurar grupo econômico, os ministros primeiramente deveriam buscar a devida informação se há um dono em comum o que aparentemente não consta nos autos do processo.
O Elon Musk é acionista de várias holdings, provavelmente por meio de uma holding de investimento, assim como alguns outros fundos de investimentos famosos como Vanguard, Black Rock e também investidores famosos como Jorge Paulo Lamann.
Assim, para configurar grupo econômico essas informações deveriam estar claras, porque podem gerar uma jurisprudência muito abstrata e prejudicar vários processos em andamento pelo Brasil.
Grupo econômico
Afinal, o que é grupo econômico? É um grupo formado por empresas que, apesar de possuírem personalidade jurídica própria, estão interligadas por uma relação de controle e coordenação, seja ela societária, financeira ou administrativa. Esse controle pode se dar por meio de participação acionária majoritária, acordos de acionistas, controle administrativo ou outros mecanismos.
No Brasil o “X” e a Starlink, não tem o mesmo controle e coordenação, são empresas totalmente distintas, não são os mesmos sócios, administradores ou controle administrativo.
A configuração do grupo econômico é um processo dinâmico, em que empresas independentes se unem para atingir objetivos comuns. Essa união pode ocorrer tanto pela criação de novas empresas como pela aquisição de empresas já existentes.
Como vimos, mesmo que nos EUA, as empresas sócias proprietárias do X e da Starlink do Brasil possam estar ligadas por uma corporação ou Holding americana, não tem ligação nenhuma com o Elon Musk enquanto pessoa física, a não ser por reportagens jornalísticas, mas até o momento nos autos não fora demonstrado isso, inclusive traz o Elon Musk como CEO.
Assim, temos o segundo problema que é de termos decisões judiciais baseadas em reportagens jornalísticas, sem ao menos ter as provas no processo, e também neste sentido começar a bloquear contas de empresas por ter acionistas majoritários e investidores em comum entre elas.
Desconsideração inversa da personalidade jurídica - processo próprio
A desconsideração da personalidade jurídica é um incidente que visa alcançar os bens dos sócios e administradores para responder por obrigações de responsabilidade da sociedade.
Em outras palavras, em caso de fraude ou abuso de direito, a personalidade jurídica é desconsiderada para que o patrimônio dos sócios e administradores sejam alcançados e satisfaça o credor ou consumidor lesado.
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica serviria para que o STF, caso não conseguisse aplicar a multa na empresa “X” no Brasil, aplicasse as multas nos sócios da empresa e caso não conseguisse adimplir essa multa, ou seja, caso não houvesse pagamento das multas, essas incidiriam sobre os sócios e somente depois poderia fazer a desconsideração inversa da personalidade jurídica sobre as outras empresas existentes dos sócios.
Tudo isso seguindo o princípio do devido processo legal, poderia talvez haver a desconsideração inversa. Lembrando que, para ocorrer este procedimento legal deve ficar evidente o abuso da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, quando é utilizado como um meio de praticar fraudes. Percebendo que existe esse abuso, a jurisprudência passou a permitir a desconsideração da personalidade jurídica. Na desconsideração inversa (ou invertida) da personalidade jurídica, o juiz, mediante requerimento, autoriza que os bens da pessoa jurídica sejam utilizados para pagar as dívidas dos sócios.
Abrindo aspas, um ponto para ser levantado e muito considerado é que a reportagem da CNN Brasil informa que a empresa “X” permanece no Brasil, com sede em um co-working. Ela funciona na avenida Brigadeiro Faria Lima, n.º 4055, 5º Andar, sala n.º 05-119.
O endereço foi apontado pelo escritório que advoga para a empresa aqui no Brasil em uma petição apresentada a Justiça Eleitoral de São Paulo no dia 25 de agosto.
A empresa aqui no Brasil utiliza em seu argumento que somente a X Corp. pode bloquear os perfis que Moraes determina, e não a X Brasil, que funcionaria apenas como uma representante dos interesses da X Corp. no Brasil.
Ultrapassadas estas aspas, caso o processo já esteja em curso, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica será julgado em autos diferentes dos da inicial/processo, ou seja, um processo autônomo, conforme artigo 134, §1 do CPC/2015.
Insta informar que o pedido de desconsideração deve ser efetuado pela parte ou pelo Ministério Público, senão vejamos o que diz o artigo 133 do CPC/2015:
“Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.”
Percebemos que em nenhum momento os Doutos ministros do STF respeitaram o devido processo legal, quanto ao instituto da Desconsideração da personalidade jurídica. Supondo que estes princípios sejam superados, ocorre outro problema, qual seja, Elon Musk não é CEO e nem Sócio enquanto pessoa física nas empresas Starlink Brazil Holding Ltda e Starlink Brazil Serviços de Internet LTDA. Ele é acionista da X Corporation.
Desconsideração inversa da personalidade jurídica - processo próprio
O Elon Musk, por meio de uma holding financeira, é acionista de várias outras empresas, da mesma forma que vários grandes grupos financeiros de investimentos. Os ministros não levaram em conta que a decisão da empresa “X” possa ter sido tomada pelos seus acionistas. Há de se destacar que na Starlink ele não é sócio majoritário nem aqui, nem nos EUA.
Um exemplo do problema que estou traçando são os grandes grupos de investimento serem tachados como acionistas majoritários para constrição de bens entre empresas que não são grupo econômico.
Os grupos Vanguard e BlackRock são,ao mesmo tempo, acionistas da Apple e Microsoft. Podemos assim dizer que as duas empresas de capital aberto têm os mesmos grandes acionistas, podem fazer parte de um mesmo grupo econômico porque têm a mesma finalidade?
Imaginem também serem bloqueados bens da Ambev porque tem como Jorge Paulo Lemann sócio das Lojas americanas.
Poderia futuramente utilizar este argumento para bloquear patrimônios de empresas totalmente distintas por haver um mesmo grande acionista, e isso seria o caos jurídico, uma confusão jurisprudencial sem precedentes.
Da multa e a execução provisória - temo 743 STJ
Ultrapassados esses pontos vamos aos bloqueios de contas das empresas Starlink Brazil Holding Ltda e Starlink Brazil Serviços de Internet. Neste ponto existe no Superior Tribunal de Justiça uma decisão em um tema repetitivo que somente é permitido o bloqueio de conta se as astreintes forem ratificadas em sentença.
TEMA 743 STJ
“Questão submetida ao julgamento: possibilidade da execução provisória da multa diária fixada em sede de antecipação de tutela nos autos da ação principal, por se tratar de título judicial líquido, certo e exigível. Tese Firmada: A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.”
Assim, como o INQUÉRITO n.º 4.874 do STF ainda não se tornou um processo e ninguém foi julgado, como poderia haver uma sentença para serem bloqueados os bens?
Isso pode acarretar novamente uma confusão jurisprudencial, em processos judiciais em curso por todo o país. Um tema que já foi decidido pelo STJ pode ressurgir e há milhões de processos judiciais para serem bloqueados bens em execução provisória, de multas ainda não ratificadas em sentença.
Bloqueio sem citação - principio da ampla defesa
Com os argumentos anteriores, os juízes singulares de primeira instância, entendendo no mesmo sentido, qual seja, bloquear contas por haver acionistas majoritários, sem sentença transitado em julgado ou recursos com efeito suspensivo pode gerar um caos jurídico, porque os Temas repetitivos não farão mais sentido.
Mesmo com um entendimento jurisprudencial formado, pode-se entrar com um processo e discutir o tema novamente, contrariando o artigo 1036 do CPC e consequentemente este perder sua eficácia.
Inclusive, essa aplicação de multa sob a alegação de haver acionistas majoritários entre empresas e sem a devida citação para responder ao processo é uma afronta ao princípio da Ampla Defesa. Pode ocorrer bloqueio de contas dessas empresas, sem citação, sob a alegação de “grupo econômico” implicando numa séria situação de abuso do direito. Aqui, neste ponto, é onde todo o imbróglio jurídico causado por esta decisão pode acarretar, é uma prévia de onde termina um dos principais princípios do direito, o qual é o de se defender.
Ninguém pode sofrer uma sanção antes de poder se defender, a Starlink e o “X”, são empresas distintas, antes de se ver constrita por qualquer decisão judicial tem o direito de se defender, a holding jamais poderia ter seu patrimônio bloqueado sem a citação para responder a um processo.
Artigo 926 e 927 CPC 2015 - efeito vinculante
Para o ministro do STF Luiz Fux “a jurisprudência, para ter força, precisa ser estável, para não gerar insegurança. Então, a jurisprudência que vai informar todo o sistema jurídico e que vai ter essa posição hierárquica é aquela pacífica, estável, dominante, que está sumulada ou foi decidida num caso com repercussão geral ou é oriunda do incidente de resolução de demandas repetitivas ou de recursos repetitivos, não é a jurisprudência aplicada por membro isolado por meio de decisões monocráticas. Essa não serve para a finalidade do Novo CPC”.
Assim, uma das características importantes da Jurisprudência do STF é a sua vinculatividade. Isso significa que as decisões tomadas pelo Tribunal têm efeito vinculante sobre os demais órgãos do Poder Judiciário e também sobre a administração pública. Ou seja, elas devem ser seguidas e aplicadas em casos semelhantes.
Haverá assim um grande impacto desta decisão dos bloqueios das contas de holding, nunca imaginem que estarão blindados por qualquer instituto jurídico novo, pois com uma decisão inesperada tudo pode mudar.
O escritório Ugo Fleming Advogado está à disposição para prestar qualquer esclarecimento que se fizerem necessários.>